As respostas que O Globo preferiu não aproveitar
O jornal O Globo publicou uma reportagem no domingo para
questionar por que os brasileiros não saem às ruas para protestar contra a
corrupção.
Para fazer a matéria, os repórteres Jaqueline Falcão e Marcus
Vinicius Gomes entrevistaram os organizadores das manifestações de defesa dos
direitos dos homossexuais e da legalização da maconha. E a Coordenação Nacional
do MST.
A repórter Jaqueline Falcão enviou as perguntas por correio
eletrônico, que foram respondidas pela integrante da coordenação do MST, Marina
dos Santos, e enviadas na quinta-feira em torno das 18h, dentro do prazo.
A repórter até então interessada não entrou mais em contato. E a reportagem
saiu só no domingo. E as respostas não foram aproveitadas.
Por que será?
Abaixo, leia as respostas da integrante da Coordenação Nacional do
MST que não saíram em O
Globo.
Por que o Brasil não sai às ruas contra a
corrupção?
Arrisco uma tentativa de responder essa pergunta ampliando e
diversificando o questionamento: por que o Brasil não sai às ruas para as questões
políticas que definem os rumos do nosso país? O povo não saiu às ruas para
protestar contra as privatizações — privataria — e a corrupção existente no
governo FHC. Os casos foram numerosos — tanto é que substituiu-se o Procurador
Geral da Republica pela figura do “Engavetador Geral da República”.
Não saiu às ruas quando o governo Lula liberou o plantio de
sementes transgênicas, criou facilidades para o comércio de agrotóxicos e deu
continuidade a uma política econômica que assegura lucros milionários ao
sistema financeiro.
Os que querem que o povo vá as ruas para protestar contra o atual
governo federal — ignorando a corrupção que viceja nos ninhos do tucanato —
também querem ver o povo nas ruas, praças e campo fazendo política? Estão
dispostos a chamar o povo para ir às ruas para exigir Reforma Agrária e Urbana,
democratização dos meios de comunicação e a estatização do sistema financeiro?
O povo não é bobo. Não irá às ruas para atender ao chamado de
alguns setores das elites porque sabe que a corrupção está entranhada na
burguesia brasileira. Basta pedir a apuração e punição dos corruptores do setor
privado junto ao estatal para que as vozes que se dizem combater a corrupção
diminua, sensivelmente, em quantidade e intensidade.
Por que não vemos indignação contra a
corrupção?
Há indignação sim. Mas essa indignação está, praticamente restrita
à esfera individual, pessoal, de cada brasileiro. O poderio dos aparatos
ideológicos do sistema e as políticas governamentais de cooptação, perseguição
e repressão aos movimentos sociais, intensificadas nos governos neoliberais,
fragilizaram os setores organizados da sociedade que tinham a capacidade de
aglutinar a canalizar para as mobilizações populares as insatisfações que
residem na esfera individual.
Esse cenário mudará. E povo voltará a fazer política nas ruas e,
inclusive, para combater todas as práticas de corrupção, seja de que governo
for. Quando isso ocorrer, alguns que querem ver o povo nas ruas agora
assustados usarão seus azedos blogs para exigir que o povo seja tirado das
ruas.
As multidões vão às ruas pela marcha da
maconha, MST, Parada Gay…e por que não contra a corrupção?
Porque é preciso ter credibilidade junto ao povo para se fazer um
chamamento popular. Ter o monopólio da mídia não é suficiente para determinar a
vontade e ação do povo. Se fosse assim, os tucanos não perderiam uma eleição, o
presidente Hugo Chávez não conseguiria mobilizar a multidão dos pobres em seu
país e o governo Lula não terminaria seus dois mandatos com índices superiores
a 80% de aprovação popular.
Os conluios de grupos partidários-políticos com a mídia, marcantes
na legislação passada de estados importantes — como o de Minas Gerais, São
Paulo e Rio Grande do Sul — mostraram-se eficazes para sufocar as denúncias de
corrupção naqueles governos. Mas foram ineficazes na tentativa de que o povo
não tomasse conhecimento da existência da corrupção. Logo, a credibilidade de
ambos, mídia e políticos, ficou abalada.
A sensação é de impunidade?
Sim, há uma sensação de impunidade. Alguns bancos já foram
condenados devolver milhões de reais porque cobraram ilegalmente taxas dos seus
usuários. Isso não é uma espécie de roubo? Além da devolução do dinheiro, os
responsáveis não deveriam responder criminalmente? Já pensou se a moda pegar: o
assaltante é preso já na saída do banco, e tudo resolve com a devolução do
dinheiro roubado…
O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, em recente entrevista à
Revista Piauí, disse abertamente: “em 2014, posso fazer a maldade que for. A
maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica. Não dar credencial,
proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada. Sabe
por quê? Por que eu saio em 2015. E aí, acabou.(…) Só vou ficar preocupado, meu
amor, quando sair no Jornal Nacional.”
Nada sintetiza melhor o sentimento de impunidade que sentem as
elites brasileiras. Não temem e sentem um profundo desrespeito pelas
instituições públicas. Teme apenas o poder de outro grupo privado com o qual
mantêm estreitos vínculos, necessários para manter o controle sobre o futebol
brasileiro.
São fatos como estes, dos bancos e do presidente da CBF –- por
coincidência, um dos bancos condenados a devolver o dinheiro dos usuários
também financia a CBF — que acabam naturalizando a impunidade junto a população.
Fonte: www.viomundo.com.br
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