A cena foi comovente.
O vice-presidente José Alencar
preparava-se para plantar uma árvore em Brasília quando foi abordado por uma
nissei de 65 anos e 1,60 m
de altura.
Era manhã da quinta-feira,
6.
A mulher começou a mostrar
fotografias de crianças esqueléticas, brasileiros com silhueta de etíopes, mas
que tinham sido recuperadas com uma farinha barata e acessível, batizada de "multimistura".
Alencar marejou os olhos.
Pobre na infância no interior
de Minas, o vice não conseguiu soltar uma palavra sequer.
Apenas deu um longo e apertado
abraço naquela mulher, a pediatra Clara Takaki Brandão. Foi ela quem criou a
multimistura, composto de farelos de arroz e trigo, folha de mandioca e
sementes de abóbora e gergelim.
Foi esta fórmula que, nas
últimas três décadas, revolucionou o trabalho da Pastoral da Criança, reduzindo
as taxas de mortalidade infantil no País e ajudando o Brasil a cumprir as Metas
do Milênio.
E o que a pediatra foi pedir ao
vice-presidente?
Que não deixasse o governo
tirar a multimistura da merenda das crianças.
Mais do que isso, ela pediu que
o composto fosse adotado oficialmente pelo governo.
Clara já tinha feito o mesmo
pedido ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão - mas ele optou pelos compostos das
multinacionais, bem mais caros.
"O Temporão disse que não
é obrigado a adotar a multimistura", lamenta
Clara.
Há duas semanas a energia
elétrica da sala de Clara dentro do prédio do Ministério da Saúde foi
cortada. Hoje, ela trabalha no escuro.
"Já me avisaram que agora
eu estou clandestina dentro do governo", ironiza a pediatra.
Mas ela nem sempre viveu na
escuridão.
Prova disso é que, na semana
passada, o governo comemorou a redução de 13% nos óbitos de crianças entre os
anos de 1999 e 2004 - período em que a multimistura tinha se propagado para
todo o País.
Desde 1973, quando chegou à fórmula do composto, Clara já levou sua multimistura para quase todos os municípios brasileiros, com a ajuda da Pastoral da Criança, reduto do PT.
Os compostos da
multimistura têm até 20 vezes mais ferro e vitaminas C e B1 em relação à comida
que se distribui nas merendas escolares de municípios que optaram por comprar
produtos industrializados.
Sem contar a economia:
Fica até 121% mais caro dar o lanche de marca", compara
Clara.
Quando ela começou a distribuir
a multimistura em Santarém, no Pará, 70% das crianças estavam subnutridas e os
agricultores da região usavam o farelo de arroz como adubo para as plantas e
como comida para engordar porco.
Em 1984, o Unicef constatou
aumento de 220% no padrão de crescimento dos subnutridos.
Dessa época, Clara guarda o
diário de Joice, uma garotinha de dois anos e três meses que não sorria, não
andava, não falava.
Com a multimistura, um mês
depois Joice começou a sorrir e a bater palmas.
Hoje, a multimistura é
adotada por 15 países.
No Brasil só se
transformou em política pública em Tocantins.
Clara acredita que enfrenta adversários poderosos. ( alguém tem alguma dúvida ???)
Clara acredita que enfrenta adversários poderosos. ( alguém tem alguma dúvida ???)
Segundo ela, no governo, a
multimistura começou a ser excluída da merenda escolar para abrir espaço para o
Mucilon, da Nestlé, e a farinha láctea, cujo mercado é dividido entre a Nestlé
e a Procter & Gamble.
"É uma política genocida
substituir a multimistura pela comida industrializada", ataca a pediatra.
A antiga Coordenadora
Nacional da Pastoral da Criança, a saudosa Zilda Arns, reconheceu que a
multimistura foi importante para diminuir os índices de desnutrição infantil.
"A multimistura ajudou
muito", diz.
"Mas só ela não é capaz de
dizimar a anemia; também se deve dar importância ao aleitamento materno."
"ISTO É" procurou as autoridades
do Ministério da Saúde ao longo de toda a semana, mas nenhuma delas quis se
pronunciar.
"O multimistura é um
programa que não existe mais", limitou-se a informar a assessoria de
imprensa.
Um comentário:
Tive a honra de conhecer a Dra Clara, quando veio ao Amapá ministrar cursos sobre a multimistura.
O trabalho aqui é (era) desenvolvidoo pela pastoral do menor.
Não sei se ainda permnanecem nessa luta, indispensavel para tantas vidas.
Bjs querida
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