Dada a
importância dos debates entre os candidatos à Presidência, onde se deveria
discutir propostas políticas e planos de governo, o Brasil se vê reduzido à uma
única questão: o aborto.
Num clima de
empurra-empurra, denuncismos, achismos, disputas estéreis, dossiês, chantagens,
entreguismos e a presença constante das “trocas de gentilezas” entre os
candidatos e seus seguidores, os postulantes ao poder supremo nacional brincam
de cabo de guerra, esquecendo-se de assuntos tão ou mais importantes que
envolvem a nação.
Há aqui a
necessidade de se perceber que o Brasil está passando pelo maior momento de um
país: as eleições.
Essa
representatividade não pode ser exteriorizada, estampada por personagens
retocados pelo photoshop e botox, fabricados, repaginados, plastificados,
constantemente auxiliados por assessores idem. Essa representatividade tem de
ser promovida por cidadãos de bem, voltados aos interesses coletivos, e não
dados à imposições ou fisiologismos ideo-partidários, em que bandeiras estas ou
aquelas e disputas infindas onde o chefe de Estado seja coagido a definir ou
expor seus pensamentos ou divulgar suas opiniões pessoais acerca deste ou
daquele tema, seja mote de campanha.
O assunto em voga
em torno dessas eleições – O ABORTO – me faz lembrar uma leitura (1) que fiz para um trabalho da
faculdade. Penso que os dois candidatos
atuais devem ter tido algum contato íntimo com a fonte de que me servi para a
confecção do referido trabalho. Só isso explicaria essa necessidade, a
grandiosidade e a proporção que esse assunto tomou, como se isso fosse a coisa
mais importante a ser debatida por agora. Como se alguém devesse se
auto-proclamar a favor ou contra a vida e, em razão disso, fosse considerado
apto (ou não) a usar cetro, manto e coroa.
O documento a que
me refiro é a Encíclica de Leão XIII, sobre a Constituição Cristã dos Estados
(Immortale Dei), que apresenta as bases da doutrina cristã sobre a constituição
dos Estados e da Sociedade Civil. Esse documento parte do pressuposto de que “o
poder público vem de Deus”; estabelece a obrigação dos governantes, dos súditos
e da sociedade para com a autoridade divina. Também situa a posição
independente da sociedade religiosa em relação à sociedade civil e estabelece
as atribuições dos poderes eclesiásticos e civil, onde o primeiro se liga às coisas divinas, e o segundo às coisas
humanas. O texto ainda fala da
necessidade de que os Chefes de Estado e os Sumos Pontífices estabeleçam um
acordo sobre um ponto particular entre si. Há também o destaque para as
vantagens da constituição cristã dos Estados para os cidadãos, para as
famílias, enfim, à sociedade política.
Analisando tais
informações, concluímos que ele está ainda em voga e deixa cair por terra a
laicidade do estado. Em outras palavras, estamos face a face com o RETROCESSO,
O ENGODO, OIMBRÓLIO, O CAVALO DE BATALHA.
Não estou
afirmando que o aborto não deve ser discutido. Ele deve ser discutido sim, no
momento oportuno, com o devido respeito que se deve ao tema, e, resguardando as
devidas representatividades entre aqueles que são contra ou a favor, mas não
deve ser elevado à questão crucial, ponto principal que se deve analisar de
modo a conferir a este ou àquele “a caneta do poder”. É ingênuo aquele que assim
proceder. O que não pode acontecer é permitir que, de forma isolada, cercado
dos personalismos religiosos e pessoais, esse tema ou qualquer outro se
agigante, tome forma, força e conteúdo, se tornando o mote de uma campanha
política e, motivo pelo qual, se deve ou não votar num ou noutro candidato.
Minha religião -
ou de qualquer outro cidadão - não pode ser quesito de desempate, não pode ser
subjugada e reduzida única e exclusivamente à uma ou outra questão. A minha
pode não ser a mesma do meu próximo. E, em respeito a muitos que assim pensam,
devemos considerar que talvez nem exista algo que ligue o homem ao divino,
quiçá nem mesmo haja a própria divindade. Isso é sinal de respeito à
diversidade, expressa em todas as direções.
Num país caboclo,
onde as bandeiras religiosas são inúmeras, bem como as diversidades de templos,
centros, casas, comunidades, espaços, etc, onde se professa um ato de fé (ou se
acredita em sua ausência) discutir o aborto ou fazer disso o carro chefe da
campanha, é pensar-se mesquinho, pequeno, tacanho, ínfimo mesmo e, impor-se a
quaisquer, usando religião para isso também.
Ora, o Estado
e/ou quem o represente, não pode ser alçado à magistratura suprema e arrogar a
si o direito de estabelecer o que se pode ou não pode fazer, baseando-se em
caracteres religiosos, num esquema do “Bloco do Eu Sozinho”. Não pode advogar
unilateralmente sobre os assuntos de interesse coletivo, erguendo este ou
aquele “livro sagrado”. Não pode, em nome de um certo bloco evangélico, de bancada católica, ou bloco espírita (e
tantos outros) valer-se de critérios
religiosos para impor o que se quer.
Não podemos
retroceder. Não podemos deixar que assuntos isolados virem tema central de
campanhas, mesmo porque elas cairão no “saco do esquecimento” como todas as outras
promessas. Ou, arcaremos com o peso de termos de nos reportar ao documento
citado acima e fazer daquilo, nossa cartilha comportamental.
Concluo fazendo
uma pergunta a você: Quando, por variados motivos – inclusive a inapetência
sexual em função dos vários papéis que desempenha - a mulher uma mulher se
recusa a ter relações sexuais com seu marido/parceiro e este, subjugando-a, a
mantém sob força até que conclua o ato, estamos diante de um estupro, certo?
Se, diante desse fato, houver uma gravidez, isso seria motivo para o aborto?
Ainda não sei a resposta, mas, no mínimo, estaríamos diante de outro assunto
aterrador: o estupro ocorrido dentro de casa, onde os próprios parceiros são os
vitimizadores. Alguém incentivaria essa mulher ao aborto? Ou o argumento seria de que, entre marido e
mulher isso não ocorre? Talvez alguém se valeria também do que é mais comumente
usado, dizendo que “ela pode fazer o que quiser com o próprio corpo”, fazendo
uso de um discurso simplista e desprovido de valoração ou sentido.
Encerro dizendo
que espermatozóides e óvulos não são dispositivos eletrônicos. Não são despojos
físicos. São a estrutura fundante do que é a vida, justamente por serem vida em potencial. O mesmo
ocorre com as plantas que, embora não dotadas dos mesmos órgãos que os seres
humanos, são indispensáveis à vida destes. Porque valorizar nossa
bio-diversidade e não fazer o mesmo com os pequenos seres em formação?
No dia de votar,
esqueça o que diz sua religião sobre aborto e temas afins. Pense que o estado é
laico – no mínimo deveria, consoante a Constituição Federal. A minha ou a sua
religião, o meu ou o seu partido, este ou aquele candidato não podem ter as
cartas de definição sobre quaisquer assuntos. Tampouco podem impor-se, forçando
seu voto, tentando trazer à tona a opinião de candidatos. Até porque, no jogo
político, todos são obrigados a se vender ao diabo em nome da tal
“governabilidade” e aí, o que pensava seu candidato, simplesmente será
esquecido.
No Brasil há
muitos celeiros espirituais. Certamente, o meu é diferente do seu, mas todos
conduzem ao Pai, que, aliás não deixou esta ou aquela instituição religiosa.
Pediu apenas que nos amássemos. Não abortar é também amar.
(1)Cadernos
CBCISS nº 226.
Obs: Encaminhado, por email, texto de autoria do aluno
Ralei que cursa o 5º Período de Serviço Social na UNIPAC.
Um comentário:
Agradeço a exposição de meu texto à professora Odete.Não tenho nenhuma pretensão literária, tampouco me aventuraria à imposição de meu pensamento, posto que se trata de questão particular, subordinada porém, à coletividade.Espero me fazer entender. À Odete, minha amada professora, em quem me espelho e penso um dia chegar perto "quando crescer", parabenizo pelo novo lay-out do blog! Mais que as imagens, estão retratados aqui, temas de extrema relevância para minha formação, que me ajudarão diariamente na (re)formulação de meus poucos conhecimentos. Parabéns a Odete e à todos aqueles que direta ou indiretamente contribuem para seu sucesso e expressiva exposição social.
Um abração, dois beijos!
Ralei Matos.
P.S. Devo dizer que, por esquecimento, ela se enganou. Estou no 4º perído do curso de Serviço Social.
Como tenho problemas com as práticas internéticas, mando como anônimo, porém assinando:
Ralei Pereira Matos
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