Poucos terrenos
se revelam tão férteis como o período agitado e turbulento das campanhas
eleitorais. Além de obras feitas às carreiras, de promessas grandiosas
irresponsáveis, de visitas inesperadas e de sorrisos com tapinha nas costas,
fatos e factóides se mesclam e se confundem. Com frequência um fato relevante,
como, por exemplo, a quebra de sigilo fiscal de políticos e familiares da
oposição, por parte de funcionários da Receita Federal, ou o tráfico de
influência no Ministério da Casa Civil, passa a ser visto como um mero
factóide. Ou inversamente, um factóide insignificante, talvez a inauguração de
uma estação de metrô, publicado espalhafatosamente por algum periódico mais
sensacionalista, não só ganha a robustez de um fato como pode servir para eclipsar
fatos escusos e obscuros.
No primeiro
caso, procura-se minimizar o poder do Estado, ou o peso da máquina do governo,
sobre o resultado das eleições. Apresenta-se como normal e corriqueiro aquilo
que é pura intervenção e manipulação das forças governistas sobre os dados e as
informações de seus opositores. Naturaliza-se com facilidade atos truculentos
perpetrados contra os adversários ou contra a liberdade de imprensa, fazendo
com que uma mentira, quando insistentemente repetida, acabe se tornando verdade.
Para isso servem as tropas de choque e a propaganda enganosa que,
agressivamente, compõem o cardápio de quase todos os candidatos. Vale manipular
números, selecionar dados, ocultar fracassos ou exibir na vitrine os sucessos.
Daí ao princípio de que os fins justificam os meios, o caminho é muito curto. É
o que se chama impor o próprio jogo, onde “o ataque é a melhor defesa”.
O segundo caso é
próprio de quem joga na defesa. Aqui é comum ver fantasmas por todos os lados.
O medo e a impotência os nutrem porque necessita deles. Instala-se uma espécie
de complexo de perseguição. Qualquer palavra ou gesto mais duro e agressivo
vira “uma tempestade em copo de água”. Volta-se à política primitiva do campo
oposto entre bons e maus, onde a metáfora mais adequada segue sendo a de
“mocinhos” e “bandidos” do faroeste norte-americano. A dicotomia taxativa, o
dualismo ideológico e a mútua belicosidade criam e cultuam heróis de um lado e
vilões do outro. No tiroteio das palavras e na força sedutora do marketing,
ninguém parece dar-se conta de que, no fundo, carregamos todos no sangue e na
alma as duas tendências do amor e do ódio, da morte e da vida – como bem
assinalou Freud há mais de um século.
Converter fatos
reais e substantivos em factóides é próprio das classes dominantes ou das
oligarquias, tão senhoras de si na trajetória política brasileira. Denúncias
sérias, às vezes recheadas de provas contundentes, podem ser banalizadas como
práticas “que todo mundo faz”. A isso se presta, não raro, os setores da
imprensa mais retrógrados e avessos a mudanças, enquanto outros meios de
comunicação tratam de investigar e divulgar. Nessa banalização dos fatos, para
encobrir sua gravidade, alguns promotores públicos mais arrojados terminam
execrados e linchados diante das câmaras e dos holofotes. Umas e outros tanto
podem iluminar os bastidores da corrupção como ofuscá-los por meio da
espetacularização de fatos menores. Afinal de contas, a neutralidade da mídia e
da informação não passa de um mito.
Já os setores
subordinados tendem mais a fazer o contrário, isto é, transformar factóides em
fatos e ameaças. Pousando de vítimas, enxergam risco de conspiração por todos
os lados. Mantêm sentinelas nos postos de vigia para converter sombras irreais
em inimigos reais. Mobilizam todo o exército, e ainda as mesmas câmaras e
holofotes, procurando inflar um perigo mais subjetivo que objetivo. Criam um
balão de vento que não resiste à menor investigação ou a uma análise mais
acurada. Aliás, a espetacularização midiática é mestra em borrar as fronteiras
entre acontecimentos centrais e ocorrências secundárias, entre o que é
essencial e o que não passa de verniz efêmero. Nesse campo nublado e
escorregadio da disputa política, com frequência utiliza-se um canhão para
matar um mosquito.
Mas convém não
esquecer que, tanto os do andar de cima quanto os do andar de baixo, de acordo
com os interesses mais imediatos, podem manipular fatos e factóides a seu bel
prazer. É a arte de supervalorizar ou menosprezar acontecimentos comuns na
arena da política diária. As pesquisas eleitorais, com seus números, gráficos e
tabelas, costumam antecipar os vencedores e os derrotados, o que contribui mais
ainda para um clima quente, febril e excitante. Nesse cenário cheio de tensões
e conflitos, uns e outros não terão escrúpulos em engrandecer ou diminuir o
potencial eleitoreiro de um fato, seja ele maior ou menor, de caráter
conjuntural ou estrutural. O importante é extrair todos dividendos políticos do
assunto em questão. No
dizer do povo, política com “P” maiúsculo se converte em política com “p”
minúsculo ou em politicagem.
Em tais embates,
as campanhas costumam contrapor governo a governo, FHC versus Lula e este
versus Serra, como se estivéssemos diante de mudanças substanciais. Pelo
contrário, o que se constata nas últimas décadas é a continuidade da política
econômica, com ênfase diferenciada neste ou naquele particular. Muda o recheio,
o colorido, o sabor e o formato, mas a massa do bolo permanece a mesma. Aliás,
o jogo entre fatos e factóides serve, em não poucas ocasiões, para iludir os
eleitores. Muda-se apenas a aparência, mas com tal eloqüência e publicidade ou
com tal riqueza de detalhes, que os olhos do cidadão se enchem de fumaça
enganosa. Promove-se um espetáculo, um show pirotécnico para implantar
determinado programa que, no fundo, mantém intato o destino histórico e
estrutural do país. Após a estrondosa profusão de luzes e cores, desenhos e
malabarismos, sobram as cinzas frias e apagadas. Com reza o ditado, “a montanha
pariu um rato”.
Uma fachada
aparente, revestida de paletó-e-gravata, maquiada de cosméticos, ornada de
solenidade e sacralizada pela “liturgia do poder”, confere seriedade a esse
jogo de troca de poder. Terminado o jogo, os discursos envenenados se convertem
em namoros mútuos e em alianças pela governabilidade, onde, joio e trigo voltam
a confundir-se, para o interesse geral da nação. E, é claro, para uma generosa
distribuição de cargos aos fiéis companheiros.
Pe.
Alfredo J. Gonçalves, CS
OBS: Enviado por e-mail pela minha amiga Carmem Lúcia Costa.
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