Eu me manifesto, sim, contra tudo que
considero inaceitável. E não é de hoje. Desde pequena meto-me em encrencas por
causa disso. Uma vez, tinha acho que uns 12 anos, e brincava na portaria do
prédio quando ouvi um homem brigando com uma mulher do outro lado da calçada,
ameaçando-a de morte, dando-lhe uns sopapos. Não tive dúvidas. Atravessei,
entrei pequenina no meio deles, gritando forte por socorro, o que o assustou e
fez com que ele parasse as agressões. Para minha surpresa, ao olhar para os
lados, vi que havia muitos adultos assistindo à cena, impassíveis.
Nunca me esqueci disso. Inclusive porque,
quando voltei para casa, tomei uma bronca daquelas. Atraída pelos meus gritos,
minha mãe tinha ido à janela, e assistiu. "E se ele estivesse armado e te
matasse?" - ouvi. Creio que respondi que nunca ficaria quieta vendo aquela
cena, onde quer que fosse, e que jamais seria resignada. Dentro de minha
própria casa já havia assistido a cenas que teriam ido para esse lado, não
tivesse sido minha mãe uma guerreira baixinha e desaforada, ela própria vítima
de um pai tão violento que não o aceitava nem em sua carteira de identidade,
nem em sobrenome. Minha avó materna teria sido morta por um
"acidente", em que um motorista de ônibus, que por ele teria sido
pago, acelerou quando ela descia. Caiu, bateu com a cabeça na sarjeta, morrendo
horas depois, de hemorragia, na pequena cidade do interior de Minas.
Anos depois, senti em minha própria pele o
desespero solitário da agressão, da humilhação, do medo. Em plena juventude e
viço, em uma ligação amorosa complicada, de paixão e amor intenso que vi virar
violência, agressão, loucura e insegurança, só saí viva porque mal ou bem sou
de circo, e protegida pelos meus santos e anjos, daqui e do céu... Tentei não
envolver ninguém, resolver, e quase virei primeira página policial. Tive a
minha vida quase ceifada, ora por ameaça de facadas; ora por canos e barras de
ferro, ora pela perda de todas as referências, ora pela coação verbal. Os
poucos e únicos amigos que ainda tentaram ajudar também entraram no rol da
violência. E os (ex) amigos que viraram as costas, ou faziam-se de cegos,
desses também me lembro bem; inclusive de alguns que conseguiam piorar a
situação e pareciam gostar disso, insuflando. Ou se calando. Ou me afastando.
Deve ser bonito ver o circo pegar fogo.
Há semanas
venho tentando defender, aqui do meu cantinho, a libertação da iraniana Sakineh
Mohammadi Ashtiani, mais uma das mulheres iranianas cobertas da cabeça aos pés
pelo xador, a vestimenta preta que é uma das versões mais radicais do véu
muçulmano. Mas esse, a roupa, não é o maior problema dela e de outras
iranianas. Viúva, dois filhos, em 2005 Sakineh foi presa pelo regime
fundamentalista do Irã. Em 2007, julgada. A pena inicial foram 99 chibatadas. O
crime, adultério! Sua pena final, a morte por apedrejamento.
Uma história que lembra a fascinante
personagem bíblica de Maria Madalena, a moça que aguardava a morte por
apedrejamento até ser salva por Jesus Cristo. Cristo provocou com uma frase que
ficou célebre, e revelou-se futurista: "Quem não tiver pecado que atire a
primeira pedra". Esses iranianos estão querendo matar Sakineh e outras a
pedradas, e com pedras pequenas, para que sofram mais; talvez porque sejam,
acreditam, muito puros? A sharia, lei islâmica, devia prever cortar dedos,
língua, furar os olhos desses brucutus modernos, hitlers escondidos sob mantos
religiosos, protegidos por petróleo e riquezas?
Não bastasse a novela de Eliza Samudio
que, morta ou não, faltou ser chutada igual bola, e de tantas jovens, inclusive
adolescentes, mortas pelos namoradinhos, a advogada que morreu no fundo da
represa. Todo dia tem violência. No noticiário ou na parede do lado da sua, no
andar de baixo, no de cima, na casa da frente.
Nem bem a semana terminou e outro caso
internacional estava na capa da revista Time, com o propósito de pedir a
permanência das tropas de ocupação no Afeganistão. Na foto, na capa, a imagem
chocante da afegã Aisha, 18 anos, que teve o nariz e as orelhas decepados pelo
Talibã. Foi a punição à sua tentativa de fugir de casa, de uma família que a
maltratava. Agora, Aisha está guardada em lugar sigiloso, com escolta armada,
paga pela ONG Mulheres pelas Mulheres Afegãs. Deve ser submetida a uma cirurgia
para a reconstrução do rosto. No Irã, ou melhor, globalmente, porque lá nada se
cria, se estabeleceu a campanha "Um Milhão de Assinaturas exigindo
mudanças de leis discriminatórias", com protestos e abaixo-assinados, de
grupos internacionais de mulheres e ativistas, organizações de direitos
humanos, de universidades e centros acadêmicos e iniciativas de justiça social,
que manifestam o apoio às mulheres iranianas para reformar as leis e conseguir
o mesmo estatuto dentro do Irã legal do sistema.
O que há? O que está havendo? Mulher é
menos importante? A realidade: em cerca de 50 pesquisas do mundo inteiro, de
10% a 50% das mulheres relatam ter sido espancadas ou maltratadas fisicamente
de alguma forma por seus parceiros íntimos, em algum momento de suas vidas; 60%
das mulheres agredidas no ano anterior à pesquisa o foram mais de uma vez; 20%
delas sofreram atos muito fortes de violência mais do que seis vezes.
No Brasil, a violência doméstica é a
principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos; 20% das mulheres do
mundo foram vítimas de abuso sexual na infância; 69% das mulheres já foram
agredidas ou violadas. No Nordeste, 20% das mulheres agredidas temem a morte
caso rompam a relação; no geral, 1/3 das mulheres agredidas continuam a viver
com os seus algozes. E continuam sendo agredidas. É pau, é pedra, é o fim do
caminho.
Até quando ficaremos assistindo a esse
filme? Chega. Foi como li a conclamação da amiga e uma das mais respeitáveis
profissionais de comunicação do país, Lalá Aranha, em seu Facebook: "Não
posso entender como em pleno século XXI as mulheres brasileiras são tão molestadas.
Precisamos fazer algo neste sentido. Quem me acompanha?"
Adivinhem quem foi a primeira a responder?
Eis, assim, aqui, também, minha primeira contribuição.
Marli Gonçalves
5 comentários:
Essa matéria é importantíssima e vou divulgá-la em meus blogs para que as pessoas possam sair de suas zonas de conforto e enfrentarem de uma vez por toda esta triste realidade.
Parabéns pelo post. Divulgue quantas vezes puder no facebook , orkut, e principalmente no twitter. Eu farei o mesmo. É muito pouco diante da gravidade dos fatos, mas já é alguma coisa. Se cada um de nós divulgarmos em todos os meios de comunicação que dispomos, em instantes, o mundo inteiro estará mobilizado!
bjuss
Gostei de todo o blog, muito bonito e boa apresentação!
Em breve farei um comentário mais objéctivo!
Abraços.
Oi Odete,
Gostei de todo o blog, bonito e com temas interessantes!
Em breve farei comentários mais objéctivos!
Tive que mandar como anónimo porque a conta google não foi aceite! Desculpe!
Abraços.
PauloJ.Coelho
Triste realidade.
Parabens pela postagem e iniciativa.
Marineide me trouxe até aqui.
Farei uma chamadae no Interagindo.
Bjs
Odete querida!
Parabéns pelo post!
Eu, por esses dias, também andei falando sobre esse tipo de violência no meu blog Pimentinha Brasileira. É revoltante que isso ainda aconteça!
Bjkas, muitas!
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