Não, o Palácio de Inverno de São
Petersburgo da Rússia em 1917 ainda não será tomado pela onda vermelha.
Não. Agora, o PT vai ter de encarar: estamos num país democrático, cultural e empresarialmente complexo, em que os golpes de marketing, os palanques de mentiras, os ataques violentos à imprensa não bastam para vencer eleições... (Por decência, não posso mostrar aqui os emails de xingamentos e ameaças que recebo por criticar o governo).
O Lula vai ter de descobrir que até mesmo
seu populismo terá de se modernizar. O povo está muito mais informado, mais
online, mais além dos pobres homens do Bolsa-Família, e não bastam charminhos e
carismas fáceis, nem paz e amor nem punhos indignados para a população votar.
Já sabemos que enquanto não desatracarmos os corpos públicos e privados, que
enquanto não acabarem as regras políticas vigentes, nada vai se resolver. Já
sabemos que mais de R$ 5 bilhões por ano são pilhados das escolas, hospitais,
estradas e nenhum carisma esconde isso para sempre. Já sabemos que
administração é mais importante que utopias.
A
campanha à que assistimos foi uma campanha de bonecos de si mesmos, em que cada
gesto, cada palavra era vetada ou liberada pelos donos da "verdade"
midiática. Ninguém acreditava nos sentimentos expressos pelos candidatos.
Fernando Barros e Silva disse na Folha uma frase boa: "Dilma parece uma
personagem de ficção e Serra a ficção de uma personagem." Na mosca.
Serra.
Os erros da campanha do Serra foram inúmeros: a adesão falsa ao Lula, que
acabou rindo dele: "O Serra finge que me ama"...
Serra
errou muito por autossuficiência (seu defeito principal), demorando muito para
se declarar candidato, deixando todo mundo carente e zonzo, como num coito
interrompido; Serra demorou para escolher um vice-presidente (com a gafe de
dizer que vice bom é o que não aporrinha), fez acusações ligando as Farc à
Dilma, esculachou o governo da Bolívia ainda no início, avisou que pode mexer
no Banco Central e, quando sentiu que não estava agradando, fez anúncios
populistas tardios sobre salário mínimo e aposentados.
Nunca
vi uma campanha tão desagregada, uma campanha antiga, analógica numa época
digital, enlouquecendo cabos eleitorais e amigos, todos de bocas abertas,
escancaradas, diante do óbvio que Serra ignorou. Serra não mudou um milímetro
os erros de sua campanha de 2002. Como os Bourbon, "não esqueceu nada e
não aprendeu nada".
A
campanha do primeiro turno resumiu-se a dois narcisismos em luta.
Dilma.
Enquanto o Serra surfava em sua autoconfiança suicida, a Dilma, fabricada dos
pés ao cabelo, desfilava na certeza de sua vitória, abençoada pelo "Padim
Ciço" Lula.
Seus
erros foram difíceis de catalogar racionalmente, mas os eleitores perceberam
sutilezas na má interpretação da personagem, como atrizes ruins em filmes.
O
sorriso sem ânimo, riso esforçado, a busca de uma simpatia que escondesse o
nítido temperamento autoritário, suas palavras sem a chama da convicção,
ocultando uma outra Dilma que não sabemos quem é, sua postura de vencedora,
falando em púlpitos para jornalistas, sua arrogância que só o salto alto
permite: ser pelo aborto e depois desmentir, sua união de ateia com
evangélicos, a voracidade de militante - tarefeira, para quem tudo vale a pena
contra os "burgueses de direita" que são os adversários, os
esqueletos da Casa Civil, desde os dossiês contra FHC, passando pela Receita
Federal (com Lina Vieira e depois com os invasores de sigilos), sua tentativa
de ocultar o grande hipopótamo do Planalto que foi seu braço direito e resolveu
montar uma quadrilha familiar. Além disso, os jovens contemporâneos, mesmo
aqueles cooptados pelo maniqueísmo lulista, não conseguem votar naquela
ostentada simpatia, pois veem com clareza uma careta querendo ser cool.
Marina.
Os erros dos dois favoritos acabaram sendo o grande impulso para Marina. No
meio de uma programação mecânica de marketing, apareceu um ser vivo: Marina.
Isso.
Uma
das razões para o segundo turno foi a verdade da verde Marina. Sua voz calma,
sua expressão sincera, o visível amor que ela tem pelo povo da floresta e da
cidade, tudo isso desconstruiu a imagem de uma candidata fabricada e de um
candidato aferrado em certezas de um frio marqueteiro.
Marina
tem origem semelhante à do Lula, mas não perdeu a doçura e a fé de vencer pelo
bem. Isso passa nas imperceptíveis expressões e gestos, que o público capta.
Agora
teremos um segundo turno e talvez vejamos um PSDB fortalecido pela súbita e
inesperada virada. Desta vez, o partido terá de ser oposição, se defendendo e
não desagregado como foi no primeiro turno, onde se esconderam todos os grandes
feitos do próprio PSDB, durante o governo de FHC.
Desde
2002, convencionou-se (Quem? Por quê?) que o Lula não podia ser atacado e que o
FHC não poderia ser mencionado. Diante dessa atitude, vimos o Lula, sua clone e
seus militantes se apropriarem descaradamente de todas as reformas essenciais
que o governo anterior fez e que possibilitaram o sucesso econômico do governo
Lula, que cantou de galo até no Financial Times, assumindo a estabilização de
nossa economia. E os gringos, desinformados, acreditam.
Além
disso, com "medinho" de desagradar aos "bolsistas da
família", ninguém podia expor mentiras e falsos dados que os petistas
exibiam gostosamente, com o descaro de revolucionários "puros". Na
minha opinião, só chegamos ao segundo turno por conta dos deuses da Sorte. Isso
- foi sorte para o Serra e azar para a Dilma.
Ou
melhor, duas sortes:
O
grande estrago causado pela súbita riqueza da filharada de Erenice, ali, tudo
exibido na cara do povo, e o reconhecimento popular do encanto sincero de
Marina.
Isso
salvou a campanha errática e autossuficiente do José Serra, que apesar de ser
um homem sério, competentíssimo, patriota, que conheço e respeito desde a UNE,
mas que é das pessoas mais teimosas do mundo.
Duas mulheres pariram o segundo turno. Se
ouvir seus pares e amigos, poderá ser o próximo presidente. Se não...
Arnaldo
Jabor - O Estado de S.Paulo
OBS:
Mensagem enviada pelo meu genro Cristiano, por email.
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